Perigo: alunos pensantes!

Os jovens atores da Cia. Arthur-Arnaldo encenam "Coro dos Maus Alunos", sob direção de Tuna Serzedello. (Foto: Divulgação)

Os jovens atores da Cia. Arthur-Arnaldo encenam “Coro dos Maus Alunos”, sob direção de Tuna Serzedello. (Foto: Divulgação)

Antes de entrarmos no espaço cênico Ademar Guerra, localizado no andar inferior do Centro Cultural São Paulo, encontramos os seis estudantes no pátio, como se tivessem acabado de sair da escola. Comentam o desfecho de algo muito grave; nenhum deles imaginava que a situação pudesse terminar de modo tão dramático. Ali, misturados ao público, são apenas adolescentes assustados diante de um acontecimento no qual estão diretamente implicados, mas cuja compreensão total, por ora, lhes escapa.

Coro dos Maus Alunos , montagem mais recente da Cia. Arthur-Arnaldo traz um elenco jovem, homogêneo e bastante afiado, que merece aplausos pela interpretação equilibrada. Não há exageros nem cacoetes na atuação de Carú Lima, Fábio Rhoden, Júlia Novaes, Luísa Taborda, Taiguara Chagas e Vagner Valério. O texto, do inventivo português Tiago Rodrigues (da cia. Mundo Perfeito), adaptado por Tuna Serzedello e Soledad Yunge, diretores da companhia, é bastante engenhoso e joga o tempo todo com a ideia de coro, do coletivo, sempre apoiado no ponto de vista dos alunos. Não há protagonismo entre os atores – e mais: na reconstituição dos fatos, eles se revezam nos papéis adultos, o que confere ritmo e frescor à encenação. O cenário, composto por carteiras escolares de papelão, revela-se bastante versátil e retroprojetores são usados para a iluminação. São acertadas as escolhas do diretor Tuna Serzedello: as composições de cena funcionam muito bem.

Um grupo de alunos do ensino médio, pouco a pouco, se vê cativado por um velho professor de filosofia. Suas aulas não são entediantes como as demais; além disso, a cada dia ele oferece uma provocação diferente, despertando neles interesse pelo estudo, pela reflexão e pelo questionamento. O professor tampouco segue o programa oficial; prefere estimular o senso crítico dos meninos, a consciência sobre as próprias escolhas e o exercício da liberdade. Obviamente essas novidades repercutem no comportamento dos estudantes, que, empolgados com as descobertas feitas nas aulas de filosofia, se tornam mais criativos e rebeldes, destoando do restante do alunado.

O diretor da escola e os pais se preocupam com a transformação dos filhos, antes apáticos ou desatentos, mas cumpridores das regras. Tornaram-se maus alunos, uma vez que passaram a desafiar gradativamente o sistema escolar. São punidos; mas a retaliação maior está guardada ao professor, que incentivou o comportamento tido como negativo daqueles adolescentes. Acusado de confundir seus alunos, ele terá de enfrentar um julgamento, do qual participarão autoridades da educação, além da direção do colégio e dos pais.

A cena final é bastante potente – antes, revemos o diálogo fragmentado do início, à luz do amadurecimento e do desabrochar daqueles “maus” alunos. Quem são, de fato, os maus alunos? Aqueles que ousam questionar o sistema? E outras indagações vêm a seguir: por que a escola é tão refratária a mudanças? Por que as diferenças e as divergências são abafadas? Permite-se que um professor realmente ensine além das apostilas padronizadas? Por que uma mentalidade obsoleta e autoritária ainda persiste, mesmo que às vezes disfarçada com vernizes “modernos”?

Há um abismo entre os discursos sobre a importância social e política da educação e as práticas escolares, pelo menos em boa parte das escolas brasileiras, da rede pública e privada. O pior de tudo é que a sociedade quase sempre é conivente, apostando em paliativos e disfarces para evitar confrontar a questão. Com isso, seguimos com a fábrica de bolinhos, com o desencanto e com as bombas de gás lacrimogêneo que têm servido para punir os maus alunos.

CORO DOS MAUS ALUNOS. Até 10/10, qua. e qui. 20h. Gênero: drama. Duração: 65 min. Classificação: 14 anos. Centro Cultural São Paulo: Rua Vergueiro, 1000, Metrô Vergueiro, tel. 3397-4002. Ingressos: R$ 20. Crédito e débito: não aceita. Onde comprar: na bilheteria, que abre duas horas antes.

>> Leia também sobre a peça “Prof! Profa!”, com Jandira Martini.

Em "Coro dos Maus Alunos", os estudantes, empolgados com as aulas de filosofia, passam a desafiar as regras da escola (Foto: Divulgação)

Em “Coro dos Maus Alunos”, os estudantes, empolgados com as aulas de filosofia, passam a desafiar as regras da escola (Foto: Divulgação)


Quando as palavras se tornam insuficientes

Tiago Rodrigues, Paula Diogo e Bernardo de Almeida em cena de "Se uma Janela se Abrisse", produção da companhia portuguesa Mundo Perfeito. (Foto: Magda Bizarro)

Tiago Rodrigues, Paula Diogo e Bernardo de Almeida em cena de “Se uma Janela se Abrisse”, produção da companhia portuguesa Mundo Perfeito. (Foto: Magda Bizarro)

Tiago Rodrigues, diretor artístico e ator da companhia portuguesa Mundo Perfeito, afirmou, em conversa com o público depois da última apresentação de Se uma Janela se Abrisse no Sesc Belenzinho (dia 4/8), que discorda da frase “uma imagem vale mais que mil palavras”, embora reconheça tanto o esvaziamento das palavras e dos discursos na atualidade quanto o poder das imagens – despejadas em fluxo contínuo – em captar e modular a atenção dos espectadores. Resolver tratar dessas questões no teatro e, para isso, escolheu o telejornal como objeto de desconstrução e releitura. Os noticiários televisivos possibilitam reflexões inúmeras; destaco algumas que aparecem na montagem: a experiência visual e o condicionamento ao que se vê, a manipulação das imagens, o tratamento jornalístico dado à realidade, a linguagem como mediadora entre os fatos e a compreensão desses mesmos fatos, a elaboração simbólica individual de um evento, as impossibilidades da fala para dar conta da vida etc. A própria elaboração teatral tem seu embate específico: atores versus projeção. O resultado é um espetáculo inteligente e provocador.

(Esse post continua a análise iniciada em As instigantes maravilhas do Mundo Perfeito.)
SE UMA JANELA SE ABRISSE
E começa o telejornal. Na projeção, vemos o âncora português João Adelino Faria dando início a mais um noticiário. Mas… opa? As tradicionais, pasteurizadas e insossas “novidades diárias” dão lugar à surpreendente informação de que a fala, subitamente, se tornou insuficiente diante da existência. Não consegue mais dar conta dos sentimentos, dos sentidos, da sensações. Da vida, em suma. Como? A primeira reportagem relata as repercussões do trágico acidente com o voo da Air France, que desapareceu no Oceano Atlântico. Um fenômeno acomete familiares e amigos das vítimas e gradativamente “contamina” os demais: as pessoas já não conseguem pronunciar certas palavras relacionadas à tragédia – “céu” e “mar”, por exemplo. Algo parecido ocorre com os habitantes da Ilha da Madeira, como consequência das chuvas torrenciais e das inundações que afetaram o lugar.

O mais curioso é que o telejornal, desde o início, é dublado pelos quatro atores que estão no palco – Tiago Rodrigues, Paula Diogo, Bernardo de Almeida e Cláudia Gaiolas – acompanhados pelo DJ e sonoplasta Alexandre Talhinhas. Dublado em perfeita sincronia, vale ressaltar. Vemos, nas projeções, o âncora, os repórteres e os entrevistados e os escutamos ao vivo, com perfeita naturalidade. Temos, portanto, uma dublagem ao vivo tratando da insuficiência da linguagem, da cisão entre significante (o aspecto palpável) e o significado (o aspecto conceitual) da palavra como signo. É preciso desdizer tudo para recuperar a essência da comunicação; do diálogo de um indivíduo consigo mesmo, de um indivíduo com outro indivíduo, com o mundo e com a coletividade. É preciso recriar o léxico. Um cartaz, erguido por uma bela moça, exibe a frase: “pago mil euros por um beijo”. Ninguém a beija. Estamos impotentes.

A fala viciada dos telejornais também se esgotou; é preciso que seja recriada por outrem. As notícias desimportantes sobre política, economia, meio ambiente, esportes, trânsito…, o toujours la même chose em que se tornou o noticiário televisivo (mostra tudo para dizer nada), esse recorte inútil da realidade (sobras requentadas de qualquer outro dia anterior), tudo isso dá lugar aos destaques que realmente importam: a humanidade da humanidade. São aquelas histórias mínimas – lembro, aqui, bem rapidamente do singelo filme do argentino Carlos Sorín, Histórias Mínimas (2002) –, aqueles relatos diminutos das pessoas comuns que ganham a tela e que emergem na dublagem. Se ainda nos restam o ópio e o vício da fala, que falemos do que realmente importa, ora pois.

Os atores no palco dublam o telejornal projetado em "Se uma Janela se Abrisse", espetáculo da cia. portuguesa Mundo Perfeito (Foto: reprodução)

Os atores no palco dublam o telejornal projetado em “Se uma Janela se Abrisse”, espetáculo da cia. portuguesa Mundo Perfeito (Foto: reprodução)

E, de repente, a dessincronia. Como se não bastasse a insuficiência do vocabulário disponível, a aridez da fala como instrumento de comunicação, os indivíduos começam a sentir que seus lábios se mexem em velocidade maior do que saem as frases. Ou seja, as frases começam a escassear, como conta uma outra reportagem do telejornal. Não há mais conexão entre o movimento labial e os dizeres. A própria dublagem sofre com isso. Tudo sai do lugar. E é então que o inevitável acontece: o âncora João Adelino Faria se cala. Cala-se porque não vale a pena dizer mais nada. Cala-se porque não cabe mais nas palavras. Longos, longuíssimos minutos de silêncio. Algo jamais visto na televisão: um âncora que simplesmente se cala. Mas seus pensamentos continuam vivos, audíveis e fluentes. E são esses pensamentos que escutamos por meio dos atores. No rosto de João, vemos todo um filme. Trata-se de um momento muito bonito (o jornalista concordou em ser filmado em sua bancada, em silêncio ativo, recebendo vez ou outra mensagens ou provocações de Tiago pelo ponto). O calar também é um modo de dizer algo. Ah, esse silêncio túrgido e fazedor de novos mundos…

Se uma Janela se Abrisse empresta seu título de um verso de Alberto Caeiro, que dizia o que Fernando Pessoa-ele mesmo talvez não ousasse afirmar, “há só uma janela fechada e todo o mundo lá fora,/ E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse/ Que nunca é o que se vê quando se abre a janela”. Trata-se de um espetáculo com várias camadas de interpretação, rico em sentidos e reflexões. Em certo momento – o do comercial –, iogurtes são distribuídos para o público. Cada qual tem uma palavra associada – os atores anunciam a palavra e o espectador que quisesse aquele iogurte levantava o braço: “bonito”, “fashion”, “honesto”, “passional”, “inteligente”, “corrupto”, “20 centavos”, “infinito”… Eu peguei dois: “popular” e “complicado”. Por que esses dois? Que identificação tive com esses termos? Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia, meu bem. Eram meros iogurtes nominados ou significavam algo mais? Food for thought, literal e metaforicamente…

Meu agradecimento carinhoso e caloroso aos atores da Mundo Perfeito por esse espetáculo teatral tão estimulante, tanto sensorial quanto intelectualmente. Vida longa a essa companhia inquieta e cheia de picardia. E que voltem muitas outras vezes a São Paulo, ao Brasil. Beijos a todos – e nem precisam me pagar os mil euros.

Aos que não assistiram, dá para ter uma ideia do espetáculo nesse teaser:  http://www.youtube.com/watch?v=-jkF5_J-E-Q .

As instigantes maravilhas do Mundo Perfeito

Os navegantes da nau Mundo Maravilha: Tiago Rodrigues, Cláudia Gaiolas, Alex Cassal, Stella Rabello, Paula Diogo (em pé), Felipe Rocha e Renato Linhares. (Foto: Magda Bizarro)

Os navegantes da nau Mundo Maravilha: Tiago Rodrigues, Cláudia Gaiolas, Alex Cassal, Stella Rabello, Paula Diogo (em pé), Felipe Rocha e Renato Linhares. (Foto: Magda Bizarro)

Foi uma grata, gratíssima surpresa conhecer o trabalho da companhia portuguesa Mundo Perfeito, que aportou por essas bandas para participar da Ocupação Mirada, programa do Sesc São Paulo voltado ao intercâmbio com a produção teatral de países ibero-americanos. Tive a oportunidade de assistir a dois espetáculos: o delicioso Mundo Maravilha, realizado em parceria com o grupo brasileiro Foguete Maravilha, e o instigante e provocador Se uma Janela se Abrisse. Infelizmente, não pude ver Peça Romântica para Teatro Fechado, que igualmente integra a programação. O ator e diretor artístico Tiago Rodrigues e sua trupe ainda mostrarão mais uma peça: Três Dedos Abaixo do Joelho, de 9 a 11 de agosto. Registro aqui meu desejo de que a nau do Mundo Perfeito volte a visitar esse lado do Atlântico em breve e traga novas e antigas criações.

O mundo que a companhia desvela não é perfeito – nele há tormentas, naufrágios, caos, lapsos e descompassos. Mas trata-se de um mundo repleto de possibilidades, de novos continentes a desbravar, de silêncios que semeiam outras palavras e ideias, de sentimentos em constante recriação. Um mundo em processo contínuo, imperfeito, mas “perfeito” para se habitar justamente por suas imperfeições. Os artistas da trupe têm consciência disso e ousam experimentar. Existe o risco de que, vez ou outra, fiquem à deriva, com algum projeto que ainda não encontrou sua forma ideal, seu tempo de maturação; mas a recompensa pela ousadia é a construção de um modo de fazer teatro cheio de frescor e inteligência – como comprovaram as duas peças a que assisti.

Uma das inquietações que move a companhia, a meu ver, é um trabalho constante com a linguagem teatral e igualmente com a linguagem como (precário, fascinante) instrumento de comunicação. Quanto de nós cabe no idioma que falamos? Quanto da existência humana cabe no teatro? Tiago Rodrigues opta por uma construção conjunta da dramaturgia, na qual as referências do ator são de alguma maneira incorporadas ao que se narra. E deixa as engrenagens do espetáculo à vista, como se o espectador também participasse de seu “sentido final”. Aquilo que ocorre no palco não está fechado e só se completa porque nós lhe estamos assistindo – e qual público não se encanta com essa inclusão?

Criação conjunta entre a cia. portuguesa Mundo Perfeito e a brasileira Foguete Maravilha, "Mundo Maravilha" é um espetáculo sobre a tentativa de criar uma peça. (Foto: Magda Bizarro)

Criação conjunta entre a cia. portuguesa Mundo Perfeito e a brasileira Foguete Maravilha, “Mundo Maravilha” é um espetáculo sobre a tentativa de criar uma peça. (Foto: Magda Bizarro)

MUNDO MARAVILHA

Espetáculo de colaboração artística entre a Mundo Perfeito e a companhia carioca Foguete Maravilha, Mundo Maravilha narra a saga da tentativa de fazer uma peça. O processo criativo se iguala a uma viagem de veleiro em travessia pelo Oceano Atlântico. Durante o período no mar, os sete atores – Tiago, Paula, Cláudia, Alex, Felipe, Renato e Stella – pretendiam partilhar ideias, escrever e ensaiar cenas. Tal e qual o processo criativo, o veleiro muitas vezes parecia não sair do lugar ou perder o rumo; mas sempre alcançava algum ponto novo, ainda não explorado. A embarcação zarpou do cais, lançou-se ao mar, mas depois de algumas semanas, naufragou. “Morreram todos”, nos informam. O que significa essa morte simbólica dentro do processo criativo? E quem “morreu” – os atores, os personagens ou os personagens dos personagens?

Com base no que sobrou da experiência artística, os náufragos – ou seja, os que não morreram (quem não morreu durante o processo criativo, quem sobreviveu?) – tentam retomar aquilo que ficou a salvo: há desde objetos a sentimentos, registros de memórias, falas e diálogos, momentos, passagens de cena. E então, a segunda parte da peça (nova travessia, desta vez em terra firme e assumidamente metafórica?), se inicia com a reconstrução da aventura com base naqueles elementos (abstratos e concretos) que restaram ou que foram recuperados. Trata-se de um momento belíssimo, em que as sutilezas e as vivências de um processo colaborativo vêm à tona, e com tratamento cênico e olhar distanciado, revividos pelos personagens de seus atores, seus “eles-que-são-outros”. Há instantes de uma delicadeza incrível, como a história do japonês e sua orquídea rara – me perdoem a imprecisão, se houver, escrevo de memória –, a jornada do isqueiro vermelho, o monólogo de Tiago, o relato de Paula e a espécie de seresta-declaração de amizade que lhe fazem etc. Gosto igualmente da cena em que os navegantes se transformam em astronautas e se perdem pelo espaço: a delícia de percorrer o infinito, o acaso, a epifania da criação – o instante em que tudo se inicia, big bang!

>> Impasses e lampejos

Trata-se de uma peça sobre a oscilação entre a fé e a dúvida, o acerto e o erro, o impasse e os lampejos, oscilação esta que caracteriza uma criação conjunta. O que se deixa, o que se carrega. O que fica, o que precisa ir. Os afetos que emergem, aqueles que permanecem, os outros que se esvaem. As grandes sacadas, os pequeninos e doloridos acertos. Nada mítico – tudo muito humano, laborioso. O frescor se revela na linguagem, que passeia por registros de vários gêneros teatrais sem se ater a nenhum, e nos experimentos de construção cênica. O cenário se mostra adequado: pufes de cor clara espalhados pelo espaço e reorganizados conforme convém; potes de água, com lampadinhas, que escorregam do teto/céu; e, depois do naufrágio, os objetos que foram recuperados. Isso basta para que façamos todos, atores-personagens e espectadores, uma grande viagem juntos. Os coloridos figurinos, que incluem galochas, estão em harmonia com a proposta.

Nessa viagem marítima e artística, há também lugar para a jornada particular dos navegantes-atores, para as vivências de cada um deles, pois a dramaturgia coletiva tanto absorve quanto preserva a trajetória individual. Todos têm a oportunidade de nominar sua experiência criativa, de dar-lhe forma e encaixá-la numa metáfora condizente: podem ser a estátua de gelo em que se transformou Alex, o “momento Titanic” de Renato e Cláudia, a “expulsão” de Stella por ter rompido a fantasia e por aí vai.

Apenas 125 centímetros separam o público do palco: separam mesmo ou são interstício? Mundo Maravilha tenta ressignificar aquela pequena separação. Todos afundamos juntos – ninguém está imune ao equívoco, à ansiedade, à imaturidade, à profusão caótica de vontades e ao empecilho das limitações. Mas somos engolidos pelo oceano de possibilidades; morremos em certo sentido para reviver em outro nesse eterno aprendizado do existir. Criar não é justamente isso: um morrer para o renascer, como náufragos que chegam à ilha desconhecida, como astronautas que caem em novos planetas?

Aliás, o espetáculo me recordou duas obras queridas do escritor José Saramago: Jangada de Pedra (1986), quando a Península Ibérica se desgruda da Europa e navega à deriva pelo Atlântico, e O Conto da Ilha Desconhecida (1998), sobre a jornada simbólica de cada ser humano pelos mares de dentro e de fora de si mesmo. A peça e as obras evocam um sentimento muito típico dos portugueses que nós, brasileiros, herdamos: a necessidade intrínseca de nos lançarmos ao mar.

Co-criação e interpretação: Alex Cassal, Cláudia Gaiolas, Felipe Rocha, Paula Diogo, Renato Linhares, Stella Rabello e Tiago Rodrigues. Texto de Alex Cassal, Felipe Rocha e Tiago Rodrigues.

(No próximo post, comentários sobre Se uma Janela se Abrisse.)